Se é RWA, traz pra cá
Um breve papo sobre uma forma que as finanças descentralizadas podem usar para tocar os ativos queridinhos dos tradicionais. Uma de algumas.
Tá, vamos falar sobre os ativos do mundo real, real-world assets, ou RWA. Não, não vou falar de RIO, CPOOL ou ONDO. Na verdade, vou falar um pouquinho de ONDO, mas só um pouquinho.
Hoje, o papo é sobre o tamanho do mercado de tesouros tokenizados dos Estados Unidos e como isso pode ser uma ponte legal entre as finanças descentralizadas e as finanças tradicionais.
Você já sabe o que fazer. Não? Sobe logo na motoca, cara!
Mais de US$ 2 bilhões
O mercado de tesouro tokenizado superou US$ 2 bilhões nos Estados Unidos na segunda-feira, 26 de agosto. Os dados são da plataforma RWA.xyz.
O crescimento desse mercado é de 160% em 2024, e a BlackRock tem um papel importante nisso. No dia 20 de março, eles lançaram oficialmente o BUIDL, que é um fundo cujas cotas são tokenizadas na rede Ethereum.
As cotas do BUIDL têm valor fixo de um dólar, e geram rendimentos diários aos detentores. Os rendimentos, porém, são pagos mensalmente. É importante destacar que eles investem em grana, títulos do tesouro estadunidense e acordos de recompra.
O BUIDL foi criado apenas para investidores qualificados da BlackRock, e isso explica porque ele só tem 17 holders. Ele é, no entanto, o maior fundo tokenizado do Tio Sam com quase US$ 510 milhões em valor de mercado.
Ah, vale ressaltar aqui que a BlackRock já dominava o mercado de títulos tokenizados nos EUA um mês depois do lançamento do BUIDL. Sim, esse é o poder da maior gestora de ativos do mundo.
Outro dado importante sobre o BUIDL é o fato dele ter transformado o Ethereum na maior infraestrutura para tokenização desse mercado de títulos registrados em blockchain. Atualmente, o Ethereum conta com US$ 1,44 bilhão tokenizado.
“E quem era antes, Pelica?” A Stellar, galera. Se você entrou no mercado depois de 2021, é provável que você nem faça ideia de quem é Stellar.
A Stellar é uma blockchain que surgiu com foco em pagamentos e ficou bem famosa em 2017, e só em 2017. Eles repaginaram a proposta deles nos anos seguintes, vendendo a ideia de serem uma blockchain rápida e barata para aplicações empresariais.
Deu certo. A Franklin Templeton, que tem mais de US$ 1,5 trilhão de ativos sob gestão, usou a Stellar como infraestrutura do fundo tokenizado deles: o FOBXX. Com mais de US$ 428 milhões tokenizados, o FOBXX tem uma proposta semelhante ao BUIDL.
Além disso, também existem alguns pedacinhos do FOBXX na Polygon e na Arbitrum que, segundo a Franklin Templeton, são esforços para conectar o fundo tokenizado deles com o ecossistema Ethereum. Eles ainda não fizeram a migração definitiva, mas existe esse plano desde 2023.
E eu disse que falaria brevemente da Ondo, né? Pois é. A Ondo tem a terceira maior iniciativa em títulos tokenizados, somando quase US$ 316 milhões. Isso tudo faz parte da USDY, stablecoin do protocolo, que investe em títulos com prazo de vencimento curto e depósitos bancários.
Ah, uma nota importante: eu vou usar só o mercado de títulos tokenizados como termômetro nesse artigo. Acho o mercado de empréstimo decentralizado uma outra ponta bacana para conectar DeFi e finanças tradicionais, mas ele é um animal diferente.
O fato de duas das maiores gestoras do mundo estarem somente no mercado de títulos tokenizados também foi algo que me motivou a me manter só nessa parte da piscina nessa breve análise.
BAILA COMIGO!
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Um mercado ainda insignificante
Infelizmente, quando falamos do mercado financeiro, um setor de US$ 2 bilhões é considerado insignificante. Colin Butler, head global de capital institucional da Polygon Labs, trocou essa ideia comigo em uma matéria que eu fiz em junho.
Ele explicou que, para que grandes instituições comecem a olhar seriamente para a área de RWA, é preciso que o mercado de títulos tokenizados cresça 100 vezes. Pelo menos.
“Mas Pelica, BlackRock e Franklin Templeton são grandes!” Claro que são! Mas, juntas, essas gestoras nem sequer emitiram US$ 1 bilhão em versões tokenizadas de títulos. Só a Franklin Templeton tem mais de mil vezes isso em ativos sob gestão.
É necessário, portanto, que esse mercado cresça para que ele possa… Crescer.
Um pequeno impulso
Eu não vou delirar aqui e falar que o uso desses títulos tokenizados por protocolos descentralizados é o que vai fazer o mercado de RWA crescer a ponto de outras grandes instituições ficarem interessadas.
Por outro lado, eu não serei derrotista ao cair na armadilha de falar que esse movimento também não importa. Eu ia fazer uma piada aqui sobre tamanho e funcionalidade, mas vai ficar meio pesado para o papo. Deixarei que vocês imaginem o que seria dito .
Voltando o assunto, já estamos começando a ver algumas vias por onde essa integração entre fundos tokenizados e DeFi pode acontecer.
A primeira ponta relevante de integração é a fase “Endgame” da Maker que, nessa semana, virou Sky. Um dos pilares do Endgame, de forma resumida, consiste em ampliar a cesta de ativos que lastreia a stablecoin da Sky.
“A DAI, Pelica?” Não, galera. Agora a nova stablecoin deles é o Sky Dollar (USDS), que será um token com o objetivo de se tornar aceito pelos reguladores. Isso envolve a inclusão de um mecanismo para congelar ativos, e não vem ao caso se isso é bom ou ruim. A gente está só passando, para de gritar contra o estado e presta atenção aqui.
O lance é que, nessa ampliação da cesta de ativos, a Sky fala muito de incluir ativos do mundo real. Ou seja: a dependência de USDC e outras criptomoedas vai diminuir, dando espaço para outros ativos.
E os títulos tokenizados são um ótimo meio de realizar esse processo de forma lisa. Sem precisar ficar pulando do sistema blockchain para o sistema legado da economia, será tudo em um lugar só.
Ao adicionar esses títulos tokenizados, a Sky ajuda a inflar um pouquinho os números, o que já ajuda a fazer o mercado tomar um tamanho maior para quem tá vendo de fora.
Além disso, recentemente vimos a Aave Labs colocar uma proposta na fase de temperature check dentro da governança deles que envolve o uso do BUIDL.
“Como assim, Pelica?” O ecossistema da Aave tem uma stablecoin chamada GHO, que tem mais de US$ 120 milhões em valor de mercado. Sim, é pouco. O ponto é: essa stablecoin pode ser trocada “no pau” por USDC e USDT através de algo que eles chamam de GHO Stability Module (GSM).
E aqui entra o BUIDL: a Aave sugeriu à governança que seria legal ter um novo GSM que investe no fundo tokenizado da BlackRock com o excedente de USDC que eles receberem. Caso a galera concorde que essa é uma boa ideia, a proposta passa para a votação.
O motivo da proposta incluir só USDC é o fato da BlackRock já ter um acordo com a Circle que envolve dar liquidez para as cotas do BUIDL através da stablecoin que eles emitem. Além disso, o GSM criado para trocas lisas entre GHO e USDC tem um pool de US$ 100 milhões criado para garantir que a stablecoin da Aave não fique sem liquidez.
E aí uma coisa encaixa na outra: a Aave pode aproveitar esse poolzão que já existe para movimentar BUIDL e USDC internamente de forma mais fluida.
Vale explicar também como esse plano funciona: o GSM de USDC<>GHO funciona hoje com o usuário fornecendo USDC para mintar GHO em uma proporção 1:1. Isto é: ele dá 1 USDC e recebe 1 GHO. Beleza.
No GSM que inclui a exposição em BUIDL, o usuário vai continuar fazendo a mesma coisa, mas aí a Aave vai pegar esse USDC que ele deu e vai comprar cotas do fundo tokenizado da BlackRock.
Isso tem dois efeitos práticos: o primeiro é diversificar os ativos aos quais a GHO tá exposta, enquanto o segundo é uma geração de rendimento extra através da compra de BUIDL. Lembra que eu falei lá atrás que o fundo da BlackRock gera rendimento diário? Então…
Esses rendimentos, de acordo com a proposta, serão pagos em GHO aos detentores da stablecoin. Quando o usuário quiser trocar a quantidade de GHO que ele pegou de volta por USDC, o contrato inteligente do GSM troca as cotas de BUIDL por USDC e devolve o valor.
Isso tudo é muito bacana, mas aí temos dois pontos. O primeiro é o ponto positivo, que tá nítido: DeFi tá apertando a mão da maior gestora de ativos mundo de forma ativa, através de um caso de uso. Não se trata da BlackRock explorando os benefícios da tokenização, mas de DeFi ativamente explorando a vinda da gestora pra indústria blockchain.
O lado negativo é: ainda que GHO e USDS injetem US$ 1 bilhão no BUIDL ou qualquer outro fundo tokenizado, ainda é pouquinho. Mas é um começo.
Desce da motoca, eu preciso ir. Vejo vocês na semana que vem.
LFG
RWA vai mudar o mercado crypto, é uma das narrativas que estou mais Bullish!