Entenda a importância da EigenLayer e dos AVS
Com a EigenLayer mais uma vez no foco, é importante entender qual é a funcionalidade dos Serviços Ativamente Validados (AVS, na sigla em inglês).
AVS é a sigla em inglês para o termo “Serviços Ativamente Validados”, em tradução livre. O termo é usado para endereçar sistemas que necessitam de sua própria lógica de validação distribuída.
Para facilitar a visualização, imagine um universo paralelo — com sidechains, camadas para disponibilidade de dados, etc. — onde cada entidade ou projeto precisa provar constantemente que não está alimentando dados falsos, mas operando dentro de parâmetros seguros e confiáveis.
Trata-se, então, do equivalente digital da máxima “confie, mas verifique”. A diferença é que, nesse caso, a verificação é uma maratona sem fim: os dados passam por oráculos, outras redes e ambientes de execução confiável.
Parece realmente complicado, não é? Para entender tudo isso, é necessário dar dois passos para trás.
De onde vem os AVS?
Antes de ir muito profundamente no tópico de AVS, é justo dar um mergulho em restaking — mais precisamente, na EigenLayer — e dar uma leve abordada no modelo de consenso por proof of stake, também conhecido como prova de participação ou PoS.
Em setembro de 2022, o Ethereum (ETH) concluiu o importante evento “The Merge”, que mudou seu modelo de consenso de proof of work para proof of stake. O modelo proof of work, ou prova de trabalho, é o mesmo utilizado pelo Bitcoin.
A mudança foi motivada por diversas justificativas, e uma das principais delas era tornar o Ethereum mais amigável ao meio ambiente, dado o alto consumo de energia necessário para manter a segurança da rede do Bitcoin. Além disso, a mudança auxiliaria na escalabilidade da rede.
Assim, para clarear um pouco a visão prática disso, segue abaixo o suprimento de ETH com seus respectivos comparativos. O resultado é uma queda suficientemente significativa, que torna a ETH em uma criptomoeda deflacionária em certos períodos.
Em números mais tangíveis, é possível ver quanto foi emitido e queimado de ETH nos últimos 30 dias, nos dados do agregador Ultrasound.money tirados no dia 11 de outubro.
Proof of stake na prática
Basicamente, proof of stake é o modelo de consenso onde há um validador e um dispositivo executando um software de validação das transações. Para se tornar um validador de uma rede operando em PoS, é necessário travar uma certa quantidade do token nativo daquela blockchain, em um processo conhecido como staking.
Quando um validador tem bom comportamento, mantendo-se online pelo tempo necessário para atualizar e manter a “verdade” da rede, ele é recompensado recompensado com mais tokens. No caso do Ethereum, os bons validadores recebem frações de ETH.
Por outro lado, quando um validador tenta abusar da confiança depositada na rede, tanto tentando aprovar transações maliciosas quanto deixando de executar o software de validação, parte do valor depositado para torná-lo apto à validação é tomado pela blockchain. Essa “multa” é chamada de slashing.
Além disso, em casos extremos, o validador pode ser removido da rede.
Implicações do proof of stake
Com o que foi exposto, o consenso por proof of stake parece muito positivo para a sustentabilidade do planeta e para a eficiência da blockchain. As taxas não só passam a pagar os custos transacionais, mas também operam para tornar o token deflacionário.
Porém, como foi dito anteriormente, o modelo proof of stake demanda um dispositivo operando sem pausas para validar as transações da rede. Ainda que o dispositivo não precise possuir altíssima capacidade computacional, ainda existe a segunda implicação para os validadores em proof of stake, que é ter “skin in the game”.
O valor para estar no jogo, atualmente, é de 32 ETH. Na cotação de US$ 2.400 por ETH, isso é equivalente a US$ 76.800, um custo relativamente elevado para um único nó de validação.
A solução para este problema, então, são os pools de staking. Nesses pools, usuários colocam diferentes frações de ETH em um contrato inteligente até atingir a meta de 32 ETH.
O staking, contudo, ainda apresentava um problema: os ativos devem ficar “presos” para que o processo de validação aconteça. Assim, usuários precisavam se decidir entre deixar suas frações em ETH validando a rede com um rendimento relativamente baixo, ou usar seus fundos no ecossistema de finanças descentralizadas (DeFi).
Esse dilema chegou ao fim com a solução encontrada pouco tempo após o evento “The Merge”: o staking líquido, ou liquid staking.
Entendendo o liquid staking
Liquid staking é composto por diferentes pools com o objetivo de juntar 32 ETH para colocar um validador no ar. Como recompensa pelo serviço de intermediação, as plataformas que oferecem esses pools — como a Lido — cobram uma taxa pelo serviço.
A diferença aqui, entretanto, é que as plataformas de liquid staking devolvem um token sintético equivalente à quantidade de ETH em staking. Usando a Lido como exemplo: se um usuário deposita 5 ETH, ele recebe 5 stETH, que funciona como um comprovante da quantidade deixada em staking.
A questão é que esse comprovante pode ser usado em outras plataformas dentro de DeFi, permitindo que o usuário usufrua tanto dos rendimentos do staking quanto das oportunidades apresentadas no ecossistema descentralizado.
Em outras palavras, os tokens de staking líquido (LST, na sigla em inglês) podem ser utilizados dentro de aplicações descentralizadas como qualquer outro token, seja como colateral para empréstimos, alavancagem ou swaps.
É importante ressaltar que esse token sintético tende a ter um valor aproximado ao do ETH original e também sofre as consequências de oferta e demanda. Além disso, o usuário pode trocar de volta seu token sintético por ETH quando quiser, embora alguns protocolos demandem prazos para a conclusão dessa troca.
Importante: não são todos os protocolos que permitem a retirada 1:1. Contudo, é possível trocar os ativos facilmente usando liquidez do mercado DeFi. É preciso, porém, ter atenção quanto às variações de preço e a paridade dos LST em relação à ETH.
Perspectiva dos desenvolvedores
O proof of stake foi abordado pela lógica do provedor de serviço e dos usuários, mas é importante salientar a ótica do desenvolvedor.
Os criadores que utilizam a infraestrutura do Ethereum tendem a escolher essa blockchain entre os concorrentes pela descentralização, segurança e velocidade. Isso se traduz pelo alto número de validadores da rede, que atualmente ultrapassa 1 milhão, nos dados da plataforma Beaconchain.
Apesar da poderosa infraestrutura que o Ethereum apresenta, o problema de escalabilidade persiste. Isso prejudica os protocolos que fazem muitas requisições à rede, já que cada requisição demanda o pagamento de um valor pelo serviço. Um exemplo são os jogos baseados em blockchain, que realizam milhares de microtransações em poucos segundos.
E assim nasce a necessidade das blockchains de segunda camada, também conhecidas como layer 2 ou L2. Essas redes utilizam a infraestrutura do Ethereum, que aumentam a velocidade e reduzem os custos das transações em troca de menor segurança.
É o caso de redes como Arbitrum, Blast, Optimism, Mode, Base, entre outras. E como estas redes utilizam a mesma tecnologia chamada EVM, sigla em inglês para Máquina Virtual do Ethereum, ou Ethereum Virtual Machine, o desenvolvimento para cada uma delas é muito similar, sendo fácil migrar plataformas entre elas.
Assim, o que Ethereum sendo uma blockchain de primeira camada ganha em comparação às outras é a descentralização por meio do proof of stake. Trata-se, então, de um grande ecossistema que pode ser comparado a uma estrutura operacional para smart contracts.
O Ethereum, porém, vai além desses contratos inteligentes. Isso porque existem as bridges e sequenciadores — que não serão aprofundados nesse relatório, que são estruturas que fornecem uma forma do Ethereum conversar com outras redes, sejam elas blockchains de primeira ou segunda camada. É o caso de Cosmos e Solana.
Em outras palavras, essas ferramentas permitem que outras blockchains existam como parte da estrutura do Ethereum, mas ainda se mantendo do outro lado da “ponte”.
O problema, no entanto, é que essas conexões são um meio termo quando o assunto é segurança. A vulnerabilidade dessas plataformas torna as bridges em pontos frequentes de hacks.
Interesse da concorrência
Ethereum é realmente poderoso e não há nada próximo disso no nível de contratos inteligentes e descentralização.
Embora outros projetos queiram criar suas redes próprias com os mesmos atributos, há um fator que tira o incentivo por trás dessa movimentação, que é o fato da existência do Ethereum. Dado o custo de cada nó de validação, desenvolvedores optam por desenvolver aplicações em uma rede com maior segurança e índice de decentralização.
Assim como no caso do staking, no entanto, a questão da validação também foi endereçada por um novo player. Esse novo modelo oferece aos validadores de Ethereum uma forma de adicionar a segurança da rede em outros produtos, sem detrimento da mainnet.
Isto é: ao mesmo tempo em que é feita a validação do Ethereum, outras estruturas são validadas simultaneamente. Isso abre espaço para que validadores recebam recompensas adicionais fazendo quase o mesmo trabalho.
Esse novo player é a EigenLayer.
O que é a EigenLayer?
Em poucas palavras, é uma plataforma para conectar stakers e desenvolvedores de infraestrutura. E as vantagens para os stakeholders são:
O staker ganha recompensas adicionais sobre o saldo em ETH que foi deixado em staking;
O validador (chamado de operador na EigenLayer) assegura múltiplos serviços simultaneamente, aumentando suas recompensas;
Os desenvolvedores Ganham mais um canal para prover seus serviços e acesso aos seus produtos.
O primeiro AVS: EigenDA
Finalmente, chegamos no ponto-chave de EigenDA, onde “DA” significa data availability. Trata-se de uma criação da Eigen Labs, cujo objetivo é funcionar como uma camada de disponibilidade de dados, onde outras redes armazenam informações.
É válido mencionar que o Ethereum já atual como uma camada de disponibilidade de dados, mas sua utilização é cara. A imagem abaixo exibe alguns exemplos de AVS:
Porém, o exemplo da EigenDA será utilizado para ilustrar como a EigenLayer funciona na prática. Essa camada se propõe a fornecer o serviço de disponibilidade de dados como uma alternativa mais barata e eficiente para diferentes stakeholders.
Vale ressaltar que, embora a EigenLayer mostre apenas 17 AVS em seu site oficial, membros da Eigen Foundation e da Eigen Labs detalharam que o número real está próximo de 220 projetos. A afirmação foi feita durante o painel “The AVS Economy”, realizado na terceira edição do evento Permissioless.
Perspectiva dos desenvolvedores de Dapps/Protocolos/Rollups
Querem: uma rede segura, escalável e mais barata que o Ethereum para rodar as aplicações.
Solução: oferecer recompensas diretamente para validadores do Ethereum através da Eigen e ter um serviço mais focado às suas necessidades.
Operators, os validadores da EigenLayer
Querem: validar a rede e ganhar suas recompensas, que geralmente são um APR de 5%, possivelmente aumentando os retornos.
Solução: dar opt-in e validar também para a Eigen, seguindo mesmos padrões de custo e tecnologia
Delegators, os stakers da Eigen
Querem: delegar para um validador fazer o trabalho tecnicamente complexo, porém ganhar mais, cerca de 3,5% APR em ETH.
Solução: dar um opt-in para que seu saldo em ETH delegado forneça segurança para a rede Ethereum, ao mesmo tempo em que fornece segurança para os desenvolvedores da Aplicação A ou do Protocolo B, dentro das opções presentes na Eigen e em seu validador.
Exemplo de stakers fazendo stake diretamente na Beacon Ether e outros provedores que oferecem o serviço de liquid staking:
É interessante ver aqui que o validador teria a opção de validar outra rede como Cosmos, Osmosis ou qualquer outra, e ganhar rendimentos mais altos. No entanto, ele confia e aprecia Ethereum no longo prazo, então prefere ganhar menos, porém em um ativo mais forte.
Assim, a EigenDA oferece não uma rede ou token alternativo, mas um “opt-in” para continuar validando em Ethereum com mesmos requisitos e regras. Ao adicionar serviços da Eigen, ganha-se mais recompensas sem um aumento muito significativo dos riscos ou variação tecnológica.
EigenLayer
Querem: que todo o sistema funcione de forma autônoma, sem precisar intervir. Porém, se algo der errado, quer ter a chance de agir.
Solução: o Veto Committee é uma solução similar a uma votação através de uma carteira multiassinatura, onde um conselho define se houve erro ou mau comportamento e, quando necessário, conseguem fazer algo chamado “Reverse Slashing”.
Apesar de toda a estrutura de restaking aparentar ser uma boa oferta, existem riscos significativos.
Riscos
Elencando rapidamente os principais riscos, são eles:
Essencialmente o staker delega seus ETH ao Validador que, por sua vez, pode se comportar mal e sofrer slashing. Consequentemente, o staker pode perder suas recompensas, ou até mesmo seus fundos em stake;
A aplicação do desenvolvedor pode conter erros e julgar maus operadores, novamente acarretando em slashing. Desta vez, no entanto, não seria um caso de mau comportamento, mas um bug no sistema de qualificação de comportamento, resultando em prejuízo para o staker;
Centralização de poder na mão de um conselho que pode agir em desinteresse aos participantes e regras propostas na rede.
Conclusão
EigenLayer traz uma nova camada de complexidade e também de possibilidades para escalar ainda mais o ecossistema de Ethereum, agindo de forma comparável com uma variação de blockchain de segunda camada. A diferença é que, ao mesmo tempo, a EigenLayer pode fornecer certos serviços a essas redes.
Trata-se de uma poderosa adição para desenvolvedores, validadores e stakers para criação de novas soluçõe. Além disso, aumenta a recompensa de todos os participantes, diminuindo custos e aumentando potencial.
É importante lembrar, entretanto, que a EigenLayer também tem uma série de riscos atrelados a ela.
De qualquer forma, toda a complexidade e sofisticação colocam a EigenLayer como uma das mais inovadoras e poderosas soluções de 2024, acumulando quase US$ 11 bilhões em valor total alocado no momento da escrita deste relatório.
Antes de terminar, gostaríamos de lembrar que o conteúdo discutido aqui é estritamente informativo e destinado a fomentar a discussão geral. Não deve ser interpretado como recomendação financeira, fiscal ou conselho de vida para qualquer indivíduo. Encorajamos fortemente que você faça sua própria pesquisa e consulte profissionais qualificados.
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