🔲 Alt season, corrida dos ratos e o sentimento de m*rda
Já se sentiu na merda? É o que se sente ultimamente.
Li um tweet do Matt Hougan, chefe de investimentos da Bitwise, que resume bem o que tem acontecido com o mercado.
Apesar de todas as notícias absurdamente positivas sobre o mercado cripto vindas dos Estados Unidos, das instituições gigantescas acrescentando exposição ao Bitcoin, o sentimento do varejo segue um lixo.
O Hougan diz que o sentimento do varejo é “um dos piores em anos”, enquanto os investidores profissionais estão “extraordinariamente bullish”.
Logo abaixo vem o comentário do James Seyffart, analista de ETF da Bloomberg:
“Parece que é porque o varejo está segurando uma penca de altcoins, memecoins e etc que estão bem pra baixo.
(Como elas provavelmente deveriam estar, na minha opinião).”
E aí, como todo bom neurodivergente que tem TDAH, eu comecei a pensar. Eu concordo com ambas as falas, mas por que diabos o varejo tá tratando cripto como um cassinão agora, mais do que nunca?
O texto de hoje é sobre isso. Na verdade, quase. Não vou falar nada que você já não tenha lido no ano passado, quando as memecoins estouraram.
Vai lendo, você vai entender. Sobe na kombi.
“Já se sentiu na merda?”
Sant, em uma parte de seu lendário verso no também lendário cypher Poetas no Topo, pergunta o seguinte: “já se sentiu na merda? É o que se sente ultimamente.”
A Kaito AI, uma plataforma que usa inteligência artificial pra ajudar os degens nos investimentos, publicou a imagem abaixo no dia 29 de janeiro:
Isso é quantas vezes os investidores de cripto no Twitter disseram que estão cansados.
O cansaço pode estar relacionado a diferentes fatores: esse ciclo tá demandando muito mais atenção e timing que o ciclo anterior, tá um pouco mais difícil prever o que vai subir, e o bombardeio de “embriaguez de sucesso” tá mais forte que nunca.
Embriaguez de sucesso é um termo que aprendi vendo o finado Gil Brother, vulgo Away. Você entra no Twitter e, em todo canto, é só post de gente falando que ganhou 7 bucetilhões de dólares em 12 segundos.
Em condições naturais de temperatura e pressão, isso não causaria muito o tal “medo de perder a oportunidade”, ou FOMO na sigla em inglês, na maior das pessoas.
Mas acontece que o cansaço não vem só de investir.
“É o que se sente ultimamente”
“Já se sentiu na merda? É o que se sente ultimamente.” Você acorda 7 da manhã, trabalha até as 18h e, se der sorte, ainda tem um segundo emprego pra fazer uma renda extra. Você vai até as 23h trabalhando.
Repare que eu disse que você dá “sorte” se tiver um trampo que te aumenta a carga de “produtividade” em mais quatro horas, pelo menos.
E a melhor notícia? Amanhã começa tudo de novo.
Tem ainda o exemplo dos menos afortunados, que contam com um emprego só. Pelo menos eles estão mais descansados, né?
Não, não estão. Se você tem um emprego só, ou tem três, a real é que nem dá pra comprar direito as coisas boas que a vida tem pra oferecer.
A vida virou trabalhar pra ter… o básico. Mas o básico bem básico. Apartamento tá caro, carro popular não é mais popular, o ser humano é visto cada vez mais como uma ferramenta.
Porra, esses dias eu tava vendo gente fascinada com filme feito por inteligência artificial. Meu amigo, quero que a inteligência artificial exploda.
Eu quero que a inteligência artificial faça o trabalho que impede o surgimento de mais roteiristas, diretores, maquiadores e toda sorte de profissional necessário pra fazer um bom filme.
Não sei se você pegou a relação entre as duas coisas, mas eu vou desenhar: os papéis se inverteram. O que faz de nós humanos é a capacidade de produzir filmes, textos, desenhos. É a expressão única presente em cada um de nós.
Mas, agora, isso ficou para um monte de máquina. Ao ser humano, restou puxar arado. E tem gente feliz com isso!
Talvez a “gente feliz com isso” seja uma minoria, mas ainda incomoda. Incomoda a maioria.
Incomoda quem chegou em casa às 00h30, depois de trabalhar em dois lugares, e não tem tempo pra nada.
Cansado demais para dormir (isso acontece com frequência), ele fita o teto e pensa que a vida vai ser isso: uma repetição de turnos arrombados até morrer. Ou pior, que as coisas podem ainda piorar.
É agora que entram os coaches arrombados do Crypto Twitter, que deram a cagada de vender uma moedinha de computador e fazer uma quantidade absurda de dinheiro, mas vivem em uma mediocridade intelectual que beira a desonestidade.
“Mas você consegue! Você precisa reprogramar seu mindset! Você precisa de espiritualidade!”
A verdade é que os espaços são finitos. Se é produção de conteúdo que dá dinheiro, existe uma quantidade finita de conteúdo que pode ser absorvida. Existem grandes chances que eu seja só mais um no grande mar de produção de conteúdo.
É possível? Sim. Mas não é simples como pintam. E isso não se aplica à produção de conteúdo, se aplica a tudo.
A real é que as coisas estão cada vez mais desesperadoras. Olha para os seus amigos fora de cripto e calcula quantos deles estão bem de vida. Eu tenho um ou outro, o restante tá feliz se tirar R$ 5 mil no mês, o que é muito na realidade deles.
O tal niilismo
Eu já vou amarrar essas ideias com as memecoins, segura aí. Mas antes, vou falar brevemente do tal niilismo financeiro.
O aumento rampante do custo de vida, aliado ao aumento da carga horária e da perda do poder de compra, tá deixando todo mundo desiludido.
E aí, criou-se o tal do niilismo financeiro. Em suma, esse movimento consiste na falta de crença de que ativos especulativos têm algum valor intrínseco.
Trata-se da ideia de que o jogo é todo manipulado pra fazer a gente continuar perdendo, enquanto quem tem dinheiro ganha.
O jogo, de fato, é assim. Mas agora, parece que a desilusão atingiu patamares ainda não vistos, o que motivou a criação de um termo só pra isso.
E aí, se nada tem valor, tanto faz comprar AAVE ou WIF.
“ai bibibibi mas os fundamentos.”
Vai se foder, maluco.
Quase amarrando
Temos esse cenário: um desespero absurdo pra fugir da corrida dos ratos, para aproveitar o que essa vida tem para oferecer. E isso não é de hoje.
Se você entrou em cripto entre 2020 e 2021, você perdeu o surto de pirâmides financeiras envolvendo criptomoedas que surgiu em 2017 e atingiu o pico em 2019. No máximo, você viu o caso GAS se desenrolando.
Foram perdidas dezenas de bilhões de reais para golpistas, da mesma forma como se perde grana hoje para o cassinão das memecoins. Eu sei porque, apesar de muita gente esquecer, eu sou jornalista e cobri a esmagadora maioria desses casos.
Inclusive, já fui ameaçado de morte algumas vezes. Enfim, coisas da vida.
Voltando às pirâmides, eram sempre projetos oferecendo retornos fixos e absurdos mensalmente, coisa de 10%. Da mesma forma como as memecoins oferecem retornos de 100 vezes, e aí a galera coloca tudo que tem.
É agora, mais uma vez, que vem o tchola: “ai bibibibibi mas é tão óbvio é seleção natural”.
Quem tem fome não tem tempo de analisar fundamento. Quem tá com as contas atrasadas não quer saber o que é AAVE. Quem tá fodido só vê que tem um monte de gente fazendo dinheiro e também quer fazer, ainda que seja da forma mais irresponsável possível.
Como já diz BK na música “Quadros”:
“E a falta do básico nos fez querer ter mais que o necessário.
Salário baixo e sonhos de um milionário.
Meu desejo virou meu adversário.”
É basicamente isso. Em um contexto de desespero, qualquer ação se torna desesperada também.
Uma cambada de nerdola que não sai do quarto vai ler isso e querer dar pitaco. É normal, a gente vive na era da necessidade de dar opiniões medíocres.
Se eu tô dando a minha, o preço a se pagar é ver imbecil que fala de “cultura woke” comentando sobre coisa que ele não tem noção.
Agora amarrando tudo
No fim, quando a gente olha para as memecoins, para o sentimento de merda tomando muitos investidores do mercado, o que se pinta é um quadro triste a nível global.
Tá todo mundo desesperado pra mudar de vida, porque não aguenta mais a realidade merda em que vive. Não aguenta mais trabalhar igual um corno pra vir um cara que deu sorte de fazer 500 mil dólares em uma moedinha de computador falar que ele não se esforça o suficiente.
Hoje em dia, eu sou privilegiado e ganho muito bem pra trabalhar relativamente pouco. Mas eu já tive cinco empregos. Muita gente na Web3 também. Além de um burnout fodido, isso me custou outras coisas.
E sabe qual é o mais bizarro? Pra quem tá fodido, não é tão interessante a entrada dos institucionais.
A lógica é a seguinte: assim como o mercado financeiro tradicional, o jogo vai ser controlado por eles em cripto também. E isso só aumenta a pressa, porque a volatilidade de hoje, a possibilidade de fazer aquele “1000x”, fica cada vez menor.
Já é ínfima, caso você não tenha percebido. Memecoin já virou um cassinão controlado por pouquíssimas pessoas. Mas ela tá ficando menor até nas altcoins com um market cap um pouco maior.
É por isso que a ausência de uma alt season como tivemos nos outros ciclos deixa todo mundo mais desesperado. Todo mundo com a corda no pescoço, desesperado pra fazer um dinheiro e sem o conhecimento necessário pra surfar nas ondas das narrativas.
O que resta é apostar em memecoin.
Pra quem tem o mínimo de empatia e noção, é difícil olhar para as memecoins e não enxergar esse triste pano de fundo.
Esse artigo sou eu me sentido como o Sant, ainda em Poetas no Topo: “eu precisava falar umas merda”.
Não precisa descer dessa vez. Eu vou continuar tocando a kombi pra gente tentar sair dessa.
Como é gostoso ler Gino Matos 🍺
Muito bom artigo :)